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Quem está na linha de frente no combate ao novo coronavírus nas favelas e periferias?

A necessidade de distanciamento social radical durante a pandemia de COVID-19 (medida em que todas as pessoas precisam se manter dentro de casa saindo apenas por motivos essenciais, como compra de alimentos, medicamentos e atendimento médico urgente) escancarou aquilo que muitos já conhecem, a profundidade que a desigualdade social no Brasil alcança.  A medida de prevenção considerada a mais importante de acordo com os principais órgãos de saúde, como OMS e Fiocruz, por exemplo, se mostrou um enorme desafio para a classe trabalhadora do país. O auxílio emergencial, recurso de apoio à população no valor de R$ 600,00, apresentou muitas dificuldades de acesso e distribuição, e a resistência em adotar o distanciamento por parte de alguns setores resultou nos altos índices que o país alcançou de casos de COVID-19 e de morte pela doença.

Pessoas que residem em favelas e periferias, por exemplo, viram suas vidas atingirem uma vulnerabilidade ainda maior do que já viviam; adotar as medidas necessárias para prevenir a COVID-19 dentre elas, lavar as mãos com frequência com água e sabão ou usar álcool em gel 70%, se tornou um obstáculo para prevenção do vírus, em muitos desses territórios o abastecimento de água não é adequado ou regular, já o o álcool em gel não teve seu preço fixado alcançado altos valores de mercado. 

As aulas nas instituições de ensino foram suspensas, o que gerou grande impacto na vida de todas as famílias, mas principalmente nas de classes populares. Crianças perderam suas rotinas e o acesso a alimentação que é oferecida nas escolas de ensino público.

Com medidas de governo pouco eficazes diante de tantos problemas que surgiram e/ou se agravaram com a chegada da pandemia, lideranças comunitárias e moradores de territórios populares se organizaram para buscar formas de prestar o auxílio necessário para as pessoas, se colocando na linha da frente para articular doações, como, entregas de cestas básicas, apostilas, lanches para as crianças, utensílios de limpeza e higiene pessoal, disseminação de informação e reflexão sobre a importância em aderir as medidas de prevenção, além da reivindicação ao poder público para medidas que deem suporte a população.

Para dar visibilidade ao trabalho realizado pelas comunidades, fizemos uma série de entrevistas com lideranças e jovens da Rede de Comunidades Saudáveis (Rio) e da Rede do Programa Jovens Construtores, assessorada e mobilizada pelo CEDAPS respectivamente, veja os relatos a seguir:  

AMU Mangueira – Associação de Mulheres da Mangueira 

“Estamos andando nas ruas da comunidade, são pessoas com muitas necessidades, falta álcool em gel, comida… São muitos os que precisam. Falta o mínimo para muitas pessoas e conseguir esse mínimo para todos tem sido bastante difícil.  Aqueles que podem ajudar, e não são os mais vulneráveis, apoiam realizando contato com pessoas que podem fazer doações e fazem a distribuição nas ruas da comunidade.

Aqui há muita gente consciente do que precisa ser feito, outros nem tanto, como em todos os lugares, mas infelizmente muitos que sabem o que precisa ser feito não podem estar fazendo porque precisam trabalhar”. Shirley Souza

EDUCAP – Espaço Democrático de União, Convivência, Aprendizagem e Prevenção, Complexo do Alemão

“Bom, aqui no EDUCAP comecei uma campanha com apoio da UFRJ, PET-Saúde, G10 e amigos da organização. Estamos também na Rede Juntos pelo Complexo, onde todas as ONG e lideranças se uniram para articular o Gabinete de Crise da favela com o Coletivo Papo Reto, Voz das Comunidades, Instituto Raízes em Movimentos, entre outras lideranças de grupos”. Lucia Cabral

Campanha do EDUCAP em parceria com a UFRJ e PET-Saúde com dicas ilustradas de prevenção ao coronavírus para pessoas  que não sabem ler: 

https://www.facebook.com/educap.org/photos/pcb.3089344401116087/3089343917782802/

 

ASVI – Associação Semente da Vida, Cidade de Deus

“Ainda é difícil a conscientização para as pessoas ficarem em casa. Nós da ASVI estamos na medida do possível trabalhando home office, mas em busca de possibilidades para que as famílias possam ser assistidas com cestas básicas e materiais de higiene. Além disso, estamos imprimindo as apostilas das escolas para as crianças estudarem, fazendo campanha em busca de jogos didáticos, livros de histórias e materiais para que os ajudem nos seus estudos”. Maria do Socorro Brandão 

“Nossos educadores estão em fase de planejamento de pequenas atividades online para manter a troca com a criançada, que já está para lá de estressada com essa mudança de rotina. Temos pedido que eles também façam vídeos falando da importância da higiene e de ficar em casa. Temos dois vídeos desses nas nossas redes sociais.

Também estamos com uma vaquinha virtual aberta para doações em dinheiro, precisamos manter a equipe fixa da ASVI que não tem outra fonte de recursos. Além disso, estamos imprimindo as atividades escolares na associação, com isso precisamos de papel ofício para impressão das apostilas escolares (os pais não estão em condições de imprimir esse material, pois muitos são trabalhadores informais ou autônomos), então estamos pedindo doação de papel”.  Miriam Silva 

Campanha Vakinha Virtual para apoiar a ASVI

https://www.facebook.com/asvicdd/posts/1333107573546504

 

Grupo PROA – Prevenção Realizada com Organização e Amor

“As lideranças locais estão buscando conseguir doações com empresas, escolas e outras instituições. Houveram alguns resultados, conseguiram doações de frutas, legumes, alimentos não perecíveis, produtos de higiene e limpeza, e materiais de estudo para as crianças se distraírem nesse período. Além disso, estão buscando levar informação sobre a importância de cumprir a quarentena, através de posts online e quando há alguma ação reforçam o informe.

Eu tenho participado das ações de distribuição de alimentos. Carrego, separo e distribuo! Também busco repassar para as pessoas que tenho contato, informes de fonte confiáveis, para auxiliar que as informações corretas cheguem ao maior número de pessoas possíveis”. Arthur Felizardo (Jovem Construtor)

“Criamos um grupo no WhatsApp chamado “Voluntários contra a COVID-19” e estamos recebendo várias doações de escolas (porque estão fechadas), e de outros parceiros para distribuição de alimentos. Muitos legumes, verduras, ovos, cestas básicas e sabonete em barra. A creche local, por exemplo, doou leite e fraldas, mas ainda tem bastante gente que precisa.

Vimos que tem muita criança na rua ainda, então a gente iniciou uma campanha e começamos a divulgar: “ajude uma criança”, “mantenha uma criança em casa” e assim distribuímos apostilas e lanches, tem mostrado bons resultados.

Quando distribuímos as doações seguimos as recomendações, usando máscara, álcool em gel 70% e sensibilizando para que as pessoas fiquem em casa, e seguimos o exemplo e nos mantendo em casa”.  Andréa Nogueira (Jovem Construtora)

“Logo na primeira semana de quarentena eu estava em casa toda alegre com a minha família comendo o que tinha, o que inventava, o que eles pediam eu criava. Mas também tinha o momento de estudar, a secretaria municipal de ensino enviou via e-mail apostilas de acordo com a série das crianças e eu logo montei uma para meu sobrinho.

Foi aí que comecei a me incomodar, pois estava mantendo minha família em quarentena, porém, quando olhava pela janela via muitas crianças soltas na rua brincando. Perguntei se elas não estavam fazendo o trabalho que a escola enviava, quase todos sequer sabiam. Muitas mães nem estão no grupo da escola, e para a idade da pré-escola que é 5 anos fica complicado o ensino online.

Foi então que resolvi sair um dia pela comunidade, com medo mas fui, diante de tudo que via na TV, todos os planos de cuidado com o coronavírus, nada era voltando para nossa realidade. Conversei com algumas amigas, enviei os vídeos com recomendações que circulam pela internet e disse: preciso fazer alguma coisa.

As casas que fui, a maioria das pessoas não têm como acompanhar as apostilas enviadas pelas escolas, é muita gente que não teve acesso à educação básica. E também sem o básico para alimentação. Algumas escolas oferecem até 4 refeições e hoje as crianças estão em casa sem o básico do básico

Então comecei a pedir doação de apostilas, na primeira semana consegui até o “Carioca 2” que é apostila de ensino supletivo. Professores se juntaram para arrecadar dinheiro para lanches, e deu super certo. Até agora já estamos com 101 crianças registradas para receber a apostila da semana junto aos kits lanches.

É um kit lanche por dia com 5 bebidas, 5 tipos de comidinhas, mas 2 docinhos, assim não precisa sair nem para comprar bala.

Enquanto conversava com a gente, Janice se preparava para entregar kits em mais 52 casas.

Para próxima semana estou vendo com amigos da área de educação se conseguimos montar um material mais atraente e menor, pois ao visitar as casas percebemos a dificuldade de algumas crianças em “dar conta” do material. Além disso, com apostilas muito grandes não conseguimos imprimir tudo. O objetivo agora é montar dinâmicas de estudo mais interessantes para as crianças não perderem o gosto em estudar. E esse lanchinho faz toda diferença, muitos deles só têm lanches como esse através da escola.

Combinei com eles, levo semanalmente os lanches nas casas e confiro a apostila, mas se visse alguém na rua perderia o kit com lanche e apostila, porque o mais importante nesse momento é ficar dentro de casa, se cuidar e não andar pela favela. E graças a Deus, aos poucos tem dado certo”. Janice Delfim

Iniciativa do Grupo PROA em imprimir apostilas para as crianças ganhou destaque em jornal

https://www.facebook.com/GrupoProa/posts/3115721201876110