Durante os dias 11 e 12 de julho, o CEDAPS promoveu o encontro entre agentes e lideranças comunitárias que atuam na prevenção do HIV/Aids nos territórios do Rio de Janeiro, como Magé, Mesquita, São João de Meriti e Nova Iguaçu. O Seminário, que é parte do projeto estratégico ‘Aids e Pobreza’, apoiado pelo Ministério da Saúde, contou com cerca de 30 líderes que fizeram um mapeamento das vulnerabilidades das suas localidades e de representantes das suas instâncias municipais de saúde.
No primeiro dia, foram apresentados os seus trabalhos, onde todos puderam saber como cada um atua na sua comunidade, apresentando suas estratégias de prevenção a DST. No segundo dia, foi pactuada uma agenda com a gestão pública, que visa juntar as lideranças e os serviços dessas comunidades para que o trabalho seja feito com união.
Para incrementar e auxiliar o trabalho dos agentes, o CEDAPS distribuiu materiais de apoio com diretrizes para o mapeamento, planejamento e avaliação do trabalho realizado. O material mostra como elaborar, passo a passo, um roteiro para organizar ações na comunidade; desenvolver projetos para diferentes fontes financiadoras ou para uma concorrência pública; comunicar o trabalho a um parceiro e aos participantes da atividade que deseja realizar, entre outros.
Um dos coordenadores do projeto, Fransérgio Goulart, fez um balanço das atividades, ressaltando as maiores dificuldades encontradas pelos moradores das comunidades: “a gente mapeou as vulnerabilidades e existe uma série delas: o próprio acesso ao serviço de saúde, o preconceito e o estigma que ainda há sobre essa questão do HIV/Aids, a pobreza, a baixa escolaridade, poucas oportunidades de trabalho formal. Tudo isso impacta na epidemia da Aids”. Fransérgio ainda aproveitou para relacionar a doença a um problema maior: o social. “Não dá mais pra trabalhar a Aids só no viés da saúde. Existem outros fatores, que chamamos de determinantes sociais, que fazem com que certas comunidades sejam mais vulneráveis. Um dos grandes problemas hoje em dia é o diagnóstico tardio. Com a questão do preconceito muito grande nesses territórios, em relação à pessoa vivendo com HIV/Aids, as pessoas não vão à unidade básica de saúde fazer o teste”, revelou.
Para Giselle Israel, membro da equipe técnica do Programa Municipal de DST-Aids do Rio de Janeiro e que participou das primeiras reuniões do projeto, a expectativa sobre o Seminário não poderia ser melhor: “eu acho que esse pode ser um pontapé para que de fato seja dada uma “sacudida” na integração das pessoas nos territórios, principalmente agora que estamos tendo uma expansão tão grande da estratégia da saúde da família onde, necessariamente, os profissionais de saúde, as coordenações de área, estão mais próximos dos territórios”. Ela ainda ressaltou a importância do projeto e o trabalho realizado pelo Centro de Promoção da Saúde: “essa proposta é muito boa porque ela reconhece e legitima a expertise trazida pelo movimento social, particularmente pelo CEDAPS, que é nosso parceiro há muitos anos, e aquilo que é o papel dos serviços de saúde, que é responder as demandas da população que atende”, finalizou.
Veja depoimentos de pessoas que trabalham em prol da saúde e bem-estar de suas comunidades:
Maria Dolores* – Grupo das Cidadãs Soropositivas do Rio de Janeiro – Líder comunitária de prevenção Nova Iguaçu
Eu sou soropositiva há 10 anos e faço prevenção domiciliar distribuindo preservativos, indicando hospitais. Algumas pessoas até pensam que eu sou psicóloga!
Na minha comunidade ninguém sabe que eu sou soropositiva. Eu não quero que ninguém saiba porque, em 2002, eu fui expulsa de uma comunidade aqui no Rio de Janeiro. Eu fui infectada pelo meu marido, pai dos meus filhos. Nós já estávamos separados, ele sabia que estava com HIV e não me avisou. Eu descobri que estava com HIV porque entrei em coma e assim fiquei durante quatro meses. Por causa desse problema, fiquei com parte do corpo paralisada. Durante 2 anos e 8 meses, fiquei em cima de uma cadeira de rodas, usando fralda, recebendo comida na boca. Nesse período eu não sabia que era soropositiva. Com a internação descobri que estava com HIV. Quando eu acordei, não reconheci ninguém, mas, graças a Deus, toda a minha família está ao meu lado.
Eu enxergo a Aids como uma doença qualquer. Eu só não aceito a sequela que me deixou. Isso que me faz entrar em depressão, porque eu sou uma pessoa muito ativa. Eu viajo o Brasil todo, carregando a minha malinha, aprendi a escrever com a mãe esquerda, mas mesmo assim eu sinto uma tristeza por causa dessa sequela. Eu tomo meu coquetel direito, por isso não tenho problema com a doença em si.
Kakau Moraes – Agente de prevenção – Rio das Pedras
“Eu desenvolvo meu trabalho através de atividades lúdicas, em pontos específicos, como escolas, igrejas e creches, como parceira mesmo. Atualmente também atuo com a Clínica da Família, onde sou agente administrativo. Como agente de prevenção, eu atuo em Rio das Pedras desde 2003, e eu fui moldando, de acordo com a necessidade da comunidade, tentando mobilizar a sociedade através de redes sociais. Eu acho que ainda deve ser feito um trabalho de mobilização e sensibilização com um processo de informação que ainda tem que ser adequado ao público com uma linguagem popular, para poder atender a toda a população”.
Zoraide Gomes (Cris dos Prazeres) – Coordenadora do Grupo Proa – Comunidade do Morro dos Prazeres
Eu iniciei meu trabalho há 15 anos, observando o comportamento das meninas com os meninos que estavam no tráfico de drogas. Eu pensava “esses caras são lindos e maravilhosos, imagina se um deles se contaminar, quantas meninas também se contaminarão?”. Aí eu pensei que poderia começar a levar o preservativo até o tráfico. Eu ficava pensando nas famílias que seriam destruídas, nas mulheres e nos filhos daquele traficante, que já tinha uma vida sedentária. Imagina se contraísse o vírus HIV? Seria muito pior. Também pensava na prevenção da gravidez não desejada.
Fazemos acompanhamento, aconselhamento, distribuição de preservativos no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa. Também reunimos grupos para discutir temáticas que estejam em alta, problemáticas na comunidade, gravidez na adolescência, tuberculose, DST, enfim, diferentes assuntos na área de saúde. Eu me preocupo e penso que, cuidando de mim, eu também estou cuidando de você.
Jéssica Alexandre – Agente de prevenção – Mesquita
Tenho 19 anos e desde os sete anos trabalho com prevenção, acompanhando minha mãe na entrega de panfletos. Eu acho bonito falar para as mulheres o que é a Aids, explicar que é uma doença que ainda não tem cura. Eu gosto de alertá-las, de falar que o uso da camisinha é importante.
Iracy Maria – Presidente do Centro de Missão e Reabilitação à Saúde de Mulher – Magé
Como esse projeto, eu espero atingir metas em relação à prevenção e conscientização do povo evangélico de que a oração é muito boa, mas também deve haver ação. Nós temos que respeitar não só a lei de Deus, mas também a lei da terra, que é a ciência. Por causa dessa falta de conhecimento, o maior índice de pessoas vivendo com a Aids é da terceira idade e o povo religioso. Isso é um dado nacional e, para nós que trabalhamos nessa área, essa responsabilidade e o êxito do projeto vai depender de todo um contexto de querer aprender e vir somar, para que nós venhamos minimizar esse quadro, que é terrível. Quanto mais unirmos força, a tendência é que a gente consiga expandir o trabalho para outras áreas e fazer com que o índice de contaminados diminua.
Roberval de Castro – Pastor, São João de Meriti
Eu atuo nas igrejas, em clubes, escolas e na comunidade, para falar sobre prevenção e outros assuntos relacionados à Aids. A partir daí os pastores começaram a solicitar que eu fizesse esse trabalho de prevenção. Eu falo sobre a Aids há mais ou menos 15 anos. Eu me sinto muito satisfeito de fazer esse trabalho porque eu parei de trabalhar e decidi que tinha que arrumar uma ocupação. Então, eu me ocupei levando para a rua, durante as madrugadas, comida para mendigos.
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