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Cadu Barcellos, entre nós.

Nossa homenagem a Cadu Barcellos, cineasta, cria da Maré e de políticas públicas para acesso da juventude à oportunidades. 

Essa semana, nos despedimos dolorosamente de Cadu Barcellos, cineasta de favela, querido entre parentes e amigos, e cria da Maré e de políticas públicas voltadas para jovens e adolescentes de favelas e periferias, como, o Adolescentro e o Rap da Saúde.

O CEDAPS teve o prazer de em sua trajetória, esbarrar na trajetória de Cadu, quando ainda era um adolescente, através de uma das políticas públicas da qual fomos parceiros, o RAP da Saúde, e colhemos os bons frutos até hoje, nas figuras de jovens multiplicadores de saúde, entre eles, Cadu.

E para homenageá-lo, aqui neste espaço publicamos a carta de Dilma Cupti e a publicação de Viviane Manso Castello Branco.

Dilma, fez parte da gerência e da coordenação local das políticas públicas citadas acima. Conheceu e teve o prazer de conviver com Cadu, e sua mãe Neildes, e nos passa através de sua despedida, um pouco sobre como são os detalhes das relações de quem trabalha por mais oportunidades para a juventude de favela.

Viviane, conheceu Cadu quando também atuava na gerência do Adolescentro Maré, e se despede do rapaz que ela viu se destacar desde que era um adolescente em um projeto na Maré. 

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Viviane Manso Castello Branco, através de publicação no Facebook: 

“Tristeza imensa… Conheci Cadu Barcellos quando era adolescente e participava do Adolescentro Maré, nosso primeiro projeto de protagonismo juvenil, parceria SMS-RJ (Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro) e CEASM. Cadu logo se destacou. Quando implantamos o projeto RAP da Saúde, a Rede de Adolescentes Promotores da Saúde, em parceria com o CEDAPS, foi convidado para ser dinamizador no polo Maré. Cadu seguiu pela vida sendo protagonista, criando, brilhando, promovendo cidadania e nos enchendo de orgulho. Siga em paz Cadu! Vamos cuidar para que seu legado continue inspirando outros jovens”. 

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Dia triste, mas as recordações só trazem boas lembranças.

Me chamo Dilma Cupti de Medeiros, tenho 67 anos e em 2000, trabalhava na equipe do Programa de saúde do Adolescente na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, gerenciada pela pediatra Viviane Castello Branco e tendo como parceiras as médicas Maria de Fátima Goulart Coutinho, Luciana Phebo e Sônia Melges.

Porém, não éramos somente uma equipe de trabalho, tínhamos o compromisso ético e profissional de “fazer acontecer” uma política pública para promover a saúde dos adolescentes cariocas.  Esse desafio se concretizou na execução de um projeto de protagonismo juvenil: Adolescentro Maré.  Para isso, contamos com a parceria fundamental do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM), na pessoa de Eliana Sousa.

Depois dessa experiência exitosa e de grandes aprendizados, ampliamos a proposta para a cidade do Rio de Janeiro, surgindo então a Rede de Adolescentes Promotores de Saúde (RAP da Saúde). É nesse momento que iniciamos a nossa parceria para execução do projeto com o CEDAPS – Centro de Promoção da Saúde e com sua equipe maravilhosa liderada por Katia Edmundo.

Quando atuamos em projetos sociais, acompanhamos sonhos de pessoas diversas por uma cidade melhor e com mais oportunidades para todos, é dessa forma que a história do RAP da Saúde se entrelaça com as histórias de jovens da cidade do Rio de Janeiro, jovens como Cadu Barcellos.

Cadu, um dia já foi “apenas mais um adolescente de favela” cheio de vida e sonhos. Até que se tornou um homem, que através das oportunidades que pode acessar começou a concretizar parte de seus sonhos, trabalhando com sua arte como diretor de cinema e programas de televisão, e formando sua família.

Mas, na semana triste em que estamos, a trajetória de Cadu foi interrompida em decorrência da violência urbana que nos assola dia após dia, e assim foram levados seus sonhos e seu talento. Ele era um dos nossos, nosso adolescente multiplicador do Adolescentro Maré e do RAP da Saúde, e aqui, apesar da dor, quero recordar emoções vividas nessa construção, pois fui a única da equipe da gerência que teve o privilégio de participar da coordenação local do Projeto.

Eu ia para o Morro do Timbau à tarde, para acompanhar o curso de formação dos adolescentes, pegava o ônibus na Presidente Vargas, descia na Avenida Brasil, e caminhava por uma longa rua debaixo do calor, e assim ia subindo o morro até a sede do CEASM.

Mas, quando entrava naquele pátio, minhas energias eram renovadas, vendo aquela juventude estudiosa chegando e saindo do cursinho pré-vestibular comunitário. Ali conheci grandes mulheres, conheci Marielle Franco e conheci Neildes, funcionária do CEASM e mãe de Cadu, além de muitas outras.

Um dia, vi um ônibus na Presidente Vargas escrito Maré. Peguei, pensando que me deixaria mais perto para não caminhar naquele sol. Então, desci onde tinha um campo de futebol, deserto, com apenas uma poltrona e alguns capacetes.

Não via ninguém para perguntar como chegar no Morro do Timbau. Até que do nada aparece Neildes, que alívio. Ela me disse que ali era um ponto de mototaxi:

“Tem um vindo ali, mas é meu, pega o próximo”.

Sentei na poltrona, aguardei, e veio uma moto. Primeira vez que andava de mototaxi, e falei com o rapaz que queria colocar o capacete, afinal, tinham alguns ali.

“A senhora não sabe que aqui não podemos esconder o rosto”?  

Aprendizagem para vida.

Chegando ao CEASM, eu e Neildes começamos a conversar, ela gostou da proposta do Adolescentro e queria que seu filho participasse da próxima turma. Como mãe, queria que seu filho fosse um homem de bem, que os valores éticos e humanos que faziam parte da feliz parceria entre a Gerência do Adolescente e a Coordenação do CEASM, fossem assimilados por ele. Na Maré, e não somente lá, esses valores lutam para sobrepor valores fascistas, com falsos discursos da meritocracia.

Foi assim que conheci Cadu, e comecei a acompanhar parte de sua trajetória que o levaria até onde chegou e alcançou. Compartilho essa memória, de tantos anos atrás e que guardo com carinho, para dizer a vocês: os Cadu’s estão entre nós. Nas favelas, acompanhados de suas mães, preocupadas com seus futuros e em busca de oportunidades para seus filhos.

Então, no dia de hoje, quero dizer para Neildes: você conseguiu!

Cadu é inspiração para os jovens da Maré. Um homem de bem verdadeiro, com valores éticos e humanos. E eu como profissional, como mãe e cidadã continuo acreditando no protagonismo dessa juventude que muito tem a nos ensinar.

Minha gratidão a Maré, e a todos que me ensinaram a ver e a apostar no potencial maravilhoso dos adolescentes e jovens.    

Dilma Cupti, Rio de Janeiro, 12 de novembro de 2020.

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Cadu se tornou um adolescente multiplicador no Adolescentro da Maré, depois dinamizador do Projeto RAP da Saúde no polo Maré, e enfim um cineasta premiado com seu documentário 5 x Favela – Agora por Nós Mesmos, quando retornou para o RAP da Saúde para exibir o filme para os adolescentes que ocupavam o mesmo espaço que ele já ocupou. Sua partida é dolorosa e não deixa de ser revoltante, mas sua memória é inspiração. 

Cadu, presente!