Notícias

Poucos avanços e muito retrocesso: um raio-x da situação das crianças e adolescentes nos últimos 25 anos

Maria Cristina Salomão é assistente social, professora universitária e trabalha com consultoria em projetos sociais. Sua atuação se baseia, principalmente, na luta em prol dos direitos das crianças e adolescentes. Conselheira do Cedaps, ela nos concedeu uma entrevista para analisar a situação do país no que tange os direitos dessa população nos últimos 25 anos e falar sobre suas expectativas para o futuro.

Para Cristina, nesse período tivemos um grande avanço, que foi o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas os últimos anos não são para comemorar. “Num primeiro momento, analiso que tivemos um grande avanço, com o ECA, que protege de forma integral todas as crianças e adolescentes desse país. Outra legislação que considero um grande avanço é a Lei do Menino Bernardo, fruto da campanha “Não bata, eduque”, pois os índices de crianças vitimas de violência no país é muito alto. Porém, de cinco anos para cá, estamos vivendo tempos sombrios. A pesquisa do Observatório de Favelas (2018), que denuncia que nós temos 30% a mais de crianças com 12 anos no tráfico de drogas, e do UNICEF (2018), que mostra que, a cada 10 crianças, seis vivem em situação de miséria no Brasil, denota um quadro muito grave. Além disso, os Conselhos de Direitos e as Conferências, espaços garantidos no ECA, onde a sociedade civil deve participar e exercer o controle social, estão esvaziados, reflexo da crise política no Brasil, que vem criminalizando movimentos sociais” conta ela.

Quando o tema são as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, a situação é pior. A judicialização e a punição sistemática dessa população estão trazendo de volta a velha frase do início da república, que diz que a pobreza é caso de polícia, segundo Cristina. A política municipal de atendimento a crianças e adolescentes em situação de rua, a mais vulnerável, está sendo desmantelada, realizada por pouquíssimas instituições, com a prefeitura totalmente omissa e a Secretaria de Assistência Social com um orçamento precário.

Para Cristina “temos um desmantelamento absoluto da política de assistência na cidade do Rio de Janeiro. Faltam recursos, pessoal treinado e respaldo para ir à rua fazer o que chamamos de “pedagogia social de rua”. Substituindo essa pedagogia, entra a atuação da Polícia Militar e da Guarda Municipal, de forma totalmente inadequada, até porque não são treinados para isso. Posso dizer que essas crianças e adolescentes são caçados como bichos na cidade do Rio de Janeiro”.

A falta de estratégias metodológicas para a escuta dessas crianças é também um retrocesso apontado pela assistente social. “Existe uma resolução do Conselho Nacional da Criança e Adolescente de 2013, que determina que eles devem participar de todas as ações que lhe digam respeito. Nada deve ser feito para eles, sem eles. Estamos tendo as Pé-Conferências municipais, e para a Conferência que acontecerá em outubro um dos eixos é, novamente, a participação de crianças e adolescentes nos temas. Então, não conseguimos avançar no direito a  participação de crianças e adolescentes, nem no controle social”, conta. A falta de presença dessa população nos Conselhos e Assembleias é o principal indicador. Além disso, as escolas, que deveriam ser espaços que desenvolvem estratégias e metodologias de escuta, segundo Cristina, estão autoritárias (com poucas exceções) e não viabilizam grêmios estudantis e conselhos de classe com participação dos estudantes.

É na questão da escuta e participação popular que Cristina lembra do Cedaps, que, historicamente, possui uma diretriz de trabalho de metodologias participativas, nos diversos grupos com os quais trabalha. “Eu aprendi muito com o CEDAPS sobre esses métodos e até hoje, no meu trabalho com crianças e adolescentes, faço uso dessas ferramentas. Posso dar como exemplo o Mapa Falante, também conhecido como cartografia social, e o diagnóstico participativo, em que diversos segmentos são ouvidos no território e depois são definidos prioridades e objetivos a partir do diagnóstico”, destaca. Ela conta que essa sempre foi a preocupação do Cedaps: o protagonismo, a escuta, a criação de estratégias e metodologias. “É uma atuação muito importante, que me enriqueceu muito como profissional”.

Sobre o futuro, Cristina é cética: “nesse momento, não me arrisco a falar nada”. O complicado cenário eleitoral faz com que ela não consiga ser muito otimista sobre os próximos anos. “Se as pesquisas se confirmarem, teremos um Congresso Nacional autoritário, conservador e fundamenlista e um presidente a favor da tortura. Eu vejo os próximos anos com muita cautela”, ressalta. Sobre o futuro, Cristina recomenda muita conversa e debate: “precisamos estar muito fundamentados, para discutir a questão das crianças e adolescentes com a população em geral. Precisamos discutir política. Uma parcela significativa da população mostra-se indiferente. Precisamos despertar um debate político. Não me lembro de um quadro tão sombrio e indefinido nas vésperas de uma eleição. Além disso, precisamos fazer o controle social. Estar nos espaços de participação”.