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I Oficina de Metodologias de Intervenção Territorial em Promoção da Saúde reuniu lideranças e organizações da sociedade civil no Rio de Janeiro

Nos dias 20 e 21 de agosto (de 2006), no Centro de Convenções Barra Life, aconteceu a I Oficina de Metodologias de Intervenção Territorial em Promoção da Saúde, que reuniu lideranças da Rede de Comunidades Saudáveis e organizações da sociedade civil e de políticas públicas, integrantes e participantes da Rede Solpromesa, profissionais e militantes da Promoção da Saúde e da Equidade em Saúde, para debater experiências, parcerias, processos de avaliação e tecnologias sociais que vêm promovendo transformações significativas em comunidades populares.

“Mais que trocar experiências, o objetivo é compartilhar metodologias de promoção da saúde”, disse Daniel Becker, diretor do Cedaps, na abertura do encontro.

20 de agosto

A atividade inicial (a leitura de perguntas da platéia sobre promoção da saúde) levantou alguns dos temas e indagações que foram a base das discussões dos dois dias de oficina. As características das redes, a violência em comunidades populares, os desafios para a sustentabilidade das ações de promoção da saúde foram algumas questões colocadas pelos participantes.

Na conferência de abertura sobre Promoção da Saúde e Empowerment de Comunidades, Nina Wallerstein (Instituto de Saúde Pública – Universidade do Novo México) apresentou sua definição sobre poder/falta de poder e as discussões necessárias para alcançar as estratégias de empoderamento. Para ela, empowerment deve estar sempre associado a um processo social coletivo, e não apenas ao âmbito individual, e cita Paulo Freire em sua definição: “um processo de diálogo em que se converte de sujeito passivo a um ator participativo”. Sobre o uso da palavra inglesa empowerment, Nina Wallerstein perguntou se haveria versões em português e espanhol e disse considerar importante ter sempre em mente a palavra ‘poder’, uma vez que ‘não teremos sociedade justa se não trabalharmos e pensarmos sobre as condições de poder”.

Tratou ainda do que chamou de dialética de poder: o poder como resistência e o poder como um recurso para a liberdade. Mais adiante em sua apresentação, ela voltou a Paulo Freire: “Para mim, a mais importante estratégia de empowerment vem da educação popular de Paulo Freire: confiança no povo, processo dialógico, conscientização a partir de temas geradores, processo de escuta-diálogo-ação”. No debate, Nina foi perguntada sobre o “empowerment’ de organizações criminosas como o PCC e respondeu: “Não é poder por poder; poder com que tipo de valor? Um poder que oprime gente não é o poder que eu apoio.”

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A mesa seguinte (dia 20 de agosto 16:15h – Cenário, contexto e ação local: a Rede PSBH – Construção Compartilhada – Solpromesa e o cenário da saúde pública na América Latina – Brasil, Peru, El Salvador, México, República Dominicana. Coordenadora: Adriana Castro (Ministério da Saúde), foi dedicada à ação local em saúde na América Latina, especialmente às experiências da Rede PSBH/Solpromesa/Construção Compartilhada.

Sem ter podido contar com representantes dos outros países que compõem esta rede latino-americana por falta de recursos financeiros, a apresentação foi realizada por Daniel Becker, diretor do Cedaps e coordenador do Brasil e da América Latina para o programa.

Daniel apresentou as principais características da utilização da metodologia Problem Solving for Better Health (PSBH/Solpromesa) no Brasil, El Salvador, República Dominicana, México e Peru, que têm milhares de pessoas beneficiadas.

Chamada no Brasil de Construção Compartilhada de Soluções em Saúde, a metodologia é baseada em problematização, identificação de recursos, sistematização, planejamento de ações locais e organização de redes sociais.

Destacou, ainda, a assessoria do Cedaps à Rede de Comunidades Saudáveis: “A Rede baseia-se no conceito-chave do Cedaps de que as comunidades devem ser o núcleo gerador da mudança social, construindo soluções para seu próprio desenvolvimento.”, disse Daniel. A mobilização gerada pela metodologia na América Latina foi mostrada através de exemplos de projetos bem-sucedidos nos países componentes da Rede Solpromesa (Solucionando Problemas para Mejor Salud).

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Após o debate que girou em torno dos projetos sociais e das utopias, a mesa seguinte (Dia 20 de agosto 17:45h – Experiências brasileiras baseadas em políticas públicas saudáveis: Programa Saúde da Família e Promoção da Saúde Territorial (Paulo Fleury); Municípios Saudáveis em Pernambuco (Ronice Franco)

Coordenador – Marco Akerman (CEPEDOC – Fac. Medicina do ABC), tratou das “Experiências brasileiras baseadas em políticas públicas saudáveis”.

Fleury relatou os resultados de uma pesquisa sobre promoção da saúde no Programa Saúde da Família que avaliou 12 experiências em diversas localidades brasileiras. Segundo Fleury, as experiências demonstraram que o Programa Saúde da Família tem um grande potencial de promotor de saúde: “O choque com determinantes sociais faz com que haja possibilidade de intervenções de promoção da saúde pelos profissionais do Programa Saúde da Família”, disse ele. Ressaltou ainda que os casos analisados pela pesquisa, embora sejam replicáveis, se mostraram frágeis do ponto de vista da sustentabilidade (dependência de um único ator) ou eram ações pontuais, sem processos avaliativos. Outro ponto levantado por Fleury diz respeito aos profissionais que atuam no programa: “O Programa Saúde da Família está em expansão, mas os profissionais não têm resposta para as demandas que a população traz (60% da demanda levada ao programa é psico-social). É um cenário privilegiado de desenvolvimento da promoção da saúde, mas falta capacitação das equipes.”

Em sua apresentação, também destacou que “uma política nacional de promoção de saúde pode e deve ativar a replicação dessas e de outras ações no Programa Saúde da Família”.

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Já Ronice Franco apresentou os municípios saudáveis no Nordeste do Brasil, salientando a importância do Núcleo de Saúde Pública e Desenvolvimento Social da UFPE – Universidade Federal de Pernambuco em sua atuação na Região Agreste Central de Pernambuco (trabalham com 5 dos 26 municípios saudáveis: Barra de Guabiraba, Bonito, Camocim de São Félix, Sairé e São Joaquim do Monte), através do Método BAMBU (metodologia afirmativa para realização de micro-ações transformadoras da realidade). O Projeto se propõe a construir um mecanismo estruturador capaz de promover um processo de articulação entre os indivíduos, a sociedade e o poder público, de maneira a gerar melhores condições de vida e a potencializar as pessoas e os municípios em direção a uma vida mais saudável.

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Dia 21 de agosto

As discussões prosseguiram no segundo dia, iniciando com o tema dos Determinantes Sociais e Equidade em Saúde no Território (Dia 21 de agosto 09 h – Determinantes Sociais e Equidade em Saúde no Território. A Rede de Municípios Potencialmente Saudáveis por Ana Sperandio (UNICAMP); Transetorialidade e Gestão Territorial de Políticas Públicas em Porto Alegre por Armando de Negri (Instituto de Educação e Pesquisa da Associação Hospitalar Moinhos de Vento) Coordenador: Alberto Pellegrini (Comissão Brasileira de Determinantes Sociais em Saúde)

Antes de passar a palavra aos palestrantes, Pellegrini traçou um breve perfil da Comissão Nacional de Determinantes da Saúde, criada em resposta a um movimento global lançado pela Organização Mundial de Saúde. Segundo Pellegrini, o Brasil foi o primeiro a criar essa Comissão e, para ele, “essa resposta não foi à toa. No movimento da Reforma Sanitária, sempre esteve presente a discussão dos determinantes sociais. (…) A Comissão tem o compromisso com a ação: o combate às iniqüidades.”

Em seguida, a pesquisadora da UNICAMP e Coordenadora no Brasil da Rede de Municípios Potencialmente Saudáveis, Ana Sperandio abordou a composição, as estratégias e resultados desta rede que atualmente é formada por 30 municípios, abrangendo mais de 2 milhões de habitantes. Para Ana, a idéia é trabalhar na perspectiva da promoção da saúde, incluindo o setor saúde, mas também outros setores “a partir da lógica da vida”. Ela ressaltou que é preciso “construir com o que tem e fazer mudanças rápidas e nós temos muito conhecimento, compreensão do todo.”

A Rede de Municípios Potencialmente Saudáveis tem como participantes líderes políticos dos municípios, líderes sociais, universidades e ONGs. Desde março do ano passado, foram definidas cinco grandes prioridades para serem agregadas ao Plano Diretor dos municípios: qualidade da água e resíduos sólidos; segurança; participação social; Programa de Saúde da Família e geração de emprego e renda (esta última pensando na vocação da cidade). Entre as principais atividades realizadas pela Rede destacam-se os fóruns, seminários e cursos.

Ana finalizou sua exposição tratando da avaliação desta experiência, destacando as dificuldades e a necessidade de construção de metodologias que avaliem, por exemplo, a gestão integrada de políticas públicas. “A Rede se movimenta na construção de um Plano Único de Governo (…) Que tipo de indicador avalia essa felicidade, essa inclusão? Temos que construir juntos”.

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Esta mesa contou, ainda, com Armando de Negri, que situou sua apresentação sobre “Transetorialidade e Gestão Territorial de Políticas Públicas em Porto Alegre” como “uma provocação para pensarmos em torno das estratégias de Promoção da Saúde.”

“Nós quase sempre falamos de Promoção da Saúde como uma coisa sem cheiro, assexuada. Onde, politicamente, situamos esse conceito?”, perguntou ele antes de apresentar o quadro traçado por Beattie sobre os modos e os focos de intervenção no campo da Promoção da Saúde. Variando, quanto ao modo de intervenção, do paternalista ao participativo e, quanto ao foco, do individual ao coletivo, a promoção da saúde poderia estar situada segundo quatro orientações: conservador, reformista, libertários/nova direita, libertários/radicais.

Para de Negri, esse é um debate ainda pendente: “Onde está a nossa política? Não está onde eu gostaria. Nós oscilamos entre autocuidado, mudança de hábitos, tentar diálogo com o governo, mas não saímos da lógica paternalista.” (…) “Nossas políticas públicas muito raramente estão voltadas para a produção da equidade, nem geram respostas para as necessidades sociais. Vivemos na administração da escassez”, disse ele.

Em seguida, de Negri apresentou a proposta do plano Plurianual 2002-2005 da cidade de Porto Alegre pelo elaborado pelo “imperativo ético de gerar respostas para as necessidades sociais em saúde para a produção social de equidade” e a evolução do conceito de promoção da saúde. “No discurso hegemônico, promoção e prevenção são quase a mesma coisa”, disse ele, que destacou a adoção do conceito de “estratégia promocional da equidade em qualidade de vida e saúde”, uma vez que “a fortaleza conceitual é chave para ter um discurso potente.”

Sua apresentação tratou ainda dos conceitos de equidade e “inequidades” e das características da estratégia promocional de qualidade de vida e saúde, como a autonomia e transetorialidade, sobre as quais relembrou Paulo Freire e os temas-geradores, formulados a partir de elementos da realidade social. Por fim, apresentou projetos da Associação Hospitalar Moinhos de Vento.

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A mesa seguinte (10:15h – Metodologias de Intervenção Temáticas – Márcia Marinho (Gapa-Bahia); Estratégia de Promoção de Qualidade de Vida e Saúde em Bogotá – Nancy Molina (Universidade Nacional de Bogotá); Adolescentro – Dilma Cupti (SMS-RJ, Assessoria de Promoção da Saúde) Coordenadora: Kátia Edmundo (Cedaps)

Márcia iniciou sua fala apresentando a história e os programas institucionais do GAPA Bahia, especificamente a experiência de implementação dos Planos Municipais de Ação para enfrentamento do HIV/Aids, nos quais foi utilizada a metodologia PSBH/Construção Compartilhada, fruto da cooperação técnica do Cedaps. “Há um forte preconceito para essa questão do enfrentamento do HIV/aids”, disse Márcia, que advertiu sobre uma crescente banalização da epidemia de aids. “A aids tem sido vista na perspectiva de medicalização. Cada vez se rompe com uma perspectiva mais social de enfrentamento da epidemia”, completou.

Sobre o processo de implantação dos Planos Municipais de Ação, um dos objetivos era o “fortalecimento das capacidades dos atores locais dos municípios do interior da Bahia nos quais o Gapa atua”. Para isso, houve a reformatação da metodologia PSBH/Construção voltada a uma ação mais coletiva com foco para a epidemia de HIV/Aids. Os planos foram resultado de 9 seminários que envolveram 244 participantes. Márcia considerou que a identificação dos problemas pelos atores, com a utilização da metodologia, permitiu “trazer todas as vozes e experiências anteriores”, além de ter favorecido o conhecimento e o mapeamento dos recursos disponíveis e o “diálogo com diferentes instâncias sociais.”

Ela identificou como alguns desafios desse processo a ampliação da parceria entre os setores de Saúde e Educação e a consolidação da metodologia Construção Compartilhada a fim de aumentar a participação social e a visibilidade dos diversos atores.

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Em seguida, Nancy Molina agradeceu a possibilidade de compartilhar “experiências de desenvolvimento de políticas públicas e de ação comunitária orientadas pelas idéias de enfoque promocional de qualidade de vida e saúde.”

Iniciou sua apresentação definindo a estratégia promocional de qualidade de vida e saúde, como “o esforço coletivo que busca a preservação e o desenvolvimento da autonomia de indivíduos e coletividades para fazer efetivos os direitos sociais”.

Nancy falou sobre a Escola de Formação de Líderes na localidade de Suba. Disse que na Colômbia o sistema de saúde relativiza o direito à saúde a partir da capacidade de pagamento, portanto, embora a saúde seja definida como um direito, de fato não o é, sendo necessária a construção de sentido sobre o que é saúde. A partir da problematização e da construção compartilhada desses temas-geradores ligados à saúde (cidadania em saúde, universalidade), está sendo possível pensar a construção de uma ação-resposta mais integral.

Nancy ressaltou que o “reconhecimento dos direitos é um tema pouco trabalhado pela nossa [latino-americana] pobre trajetória democrática. É um desafio muito importante para o desenvolvimento desta estratégia” e citou o exemplo de profissionais de saúde que ainda têm uma “visão mais clássica de assistência à pessoa” em detrimento da noção de direito.

A apresentação colocou também algumas questões, que Nancy chamou de ‘inquietudes’: “Como colocar no cenário público esse tipo de processo?”, perguntou. E levantou os desafios à resposta integral necessária à autonomia: os paradigmas dominantes (‘o que é estar são?’), nosso próprio poder, a tradição fragmentada e a resposta por oferta.

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A última apresentação desta mesa foi de Dilma Cupti, coordenadora do projeto Adolescentro da Secretaria Municipal de Saúde do Rio. Dilma destacou as ações do Adolescentro Paulo Freire, “uma proposta de mudança de paradigma”, como disse. Por último, em sua apresentação, citou os dizeres de uma jovem promotora de saúde “(…) eu que era apenas uma menina de cabeça baixa, percebi que conseguia fazer tudo o que eu queria: consegui dar apoio às meninas grávidas, dei informações, consegui dar amor e, melhor, consegui me sentir útil. Agora, conquistei parte do meu sonho, dos meus objetivos. Agora vejo a vida com outro olhar. Aprendi que devemos lutar pelos nossos objetivos”.

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Na última mesa do evento (12:15h – Formação de recursos humanos e redes de cooperação técnica – Gustav Liliequist, Sergio Meresman e Fernando Bertolotto (Brasil, Argentina, Uruguai) Coordenador – Daniel Becker (Cedaps)

Os palestrantes desta mesa Fernando Bertolotto e Sergio Meresman discutiram a formação de recursos humanos e redes de colaboração em promoção da saúde, particularmente a experiência da Escola de Verão de Promoção da Saúde.

Questionando sobre o que poderia ser a formação para recursos humanos, consideraram que o problema da formação em promoção da saúde supõe a reformulação dos paradigmas que vemos nas escolas, que não preparam para enfocar os problemas. Para eles, “a saúde é hoje, mais que antes, um espaço onde a problemática social toma forma, pode ser materializada. (…) é um fenômeno muito complexo, que tem a ver com indivíduos e com a coletividade (tem a ver com a globalização). Hoje a promoção da saúde tem que fazer frente à complexidade.”

Fernando Bertolotto levantou a questão sobre o significado da formação em promoção da saúde. Para ele, é preciso ampliar os vários saberes e “dar ferramentas aos profissionais, principalmente os que estão no nível primário de atenção (como mostrou o Fleury), mas as ferramentas têm que evoluir”. E falou sobre qual deveria ser a atuação dos profissionais de saúde: “Deve-se ter atores sociais com responsabilidades ao invés de técnicos neutros, pois o profissional tem responsabilidades (como as de cuidar ou matar)”.

Outro ponto de destaque da apresentação foi a organização de redes para responder às complexidades das questões relacionadas à promoção da saúde. Sérgio Meresman situou a abordagem da temática das redes como uma forma de “fazer de nossas redes de práticas também redes de aprendizagem, o que implica aprender com o que fazemos”.

Em seguida, eles exibiram um slide sobre as competências mais úteis em função dos desafios da promoção da saúde:

1 – base conceitual de Promoção da Saúde

2 – prática da Promoção da Saúde

3 – métodos de investigação em Promoção da Saúde.

“O que é determinante para a aprendizagem é a capacidade de refletir sobre a própria prática”, disse Meresman, que lembrou das perguntas elaboradas pela platéia no primeiro dia da oficina. “Se fizermos uma capacitação, temos que voltar pelas perguntas colocadas pela nossa prática, sobre a tensão entre local/global, tensão entre dentro e fora do território, sustentabilidade, temas de avaliação. (…) Problematizar o que fazemos e colocar em rede nossas experiências.”

♦ Para ver os slides da apresentação de Sergio Meresman e Fernando Bertolotto,
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